Entre acertos e polêmicas, um filme que divide opiniões
A trajetória de Emília Pérez até as telas já seria, por si só, um enredo digno de um filme. Adaptado do romance Écout, de Boris Razon, a obra passou por uma transformação em libreto de ópera antes de ganhar sua versão cinematográfica, dirigida por Jacques Audiard. E essa jornada parece refletir na própria produção: um filme ambicioso, repleto de camadas, que coleciona tanto prêmios quanto controvérsias.
Com treze indicações ao Oscar e aclamação no Festival de Cannes, onde recebeu aplausos de nove minutos e conquistou dois prêmios, Emília Pérez carrega uma bagagem impressionante. No entanto, seu impacto é tão polarizador quanto sua proposta. Entre o entusiasmo dos festivais e as críticas fervorosas nas redes sociais, a produção tornou-se um fenômeno que transcende a própria narrativa.
O longa se desenrola no México e tem como protagonista Juan “Manitas” Del Monte (Karla Sofía Gascón), um poderoso líder do tráfico que, apesar do império criminoso e da família que construiu ao lado de Jessi (Selena Gomez), nunca se sentiu verdadeiramente completo. O narcotraficante deseja realizar a transição de gênero e assume a identidade de Emília Pérez, em um processo que exige a ajuda da advogada Rita Mora Castro (Zoe Saldaña).
Ao longo da narrativa, o filme mistura drama, thriller, comédia e musical, abordando questões como identidade, redenção e os impactos do crime organizado. O roteiro, assinado por Léa Mysius, Thomas Bidegain, Nicolas Livecchi e Jacques Audiard, tenta dar conta de múltiplas temáticas, resultando em uma experiência que, para alguns, soa inovadora e, para outros, excessivamente fragmentada.
A escolha de mesclar um tema tão sério – o tráfico de drogas e a violência dos cartéis – com um formato musical gerou estranheza. A trilha sonora de Camille e Clément Ducol, que deveria amplificar a emoção da narrativa, muitas vezes soa deslocada e inoportuna. Ainda que a intenção seja criar um ambiente de fantasia, algumas cenas acabam diluindo o impacto de momentos que poderiam ser mais contundentes.
Outro ponto controverso é a mudança abrupta na personalidade de Emília. De um traficante implacável e sanguinário, ela se transforma em uma figura generosa e sensível, como se a transição de gênero fosse suficiente para apagar sua história de violência. A mensagem de redenção e perdão é válida, mas a forma como é conduzida no filme levanta questionamentos sobre coerência narrativa.
Além disso, falhas visuais evidentes e problemas técnicos fazem com que algumas indicações ao Oscar pareçam superestimadas. Para um filme que aspira ao prestígio da premiação, a inconsistência na execução chama a atenção.
Emília Pérez é, sem dúvida, um fenômeno cinematográfico. Sejam as atuações elogiadas de Karla Sofía Gascón e Zoe Saldaña, a coragem na abordagem de temas delicados ou a polêmica combinação de gêneros, o filme conseguiu se manter no centro do debate cultural.
Ainda que sua grandiosidade e ambição sejam inegáveis, o longa deixa no ar a sensação de que tentou abarcar mais do que poderia. E, no final das contas, talvez o maior mérito de Emília Pérez seja justamente esse: provocar discussões acaloradas e dividir opiniões, garantindo que sua presença seja sentida – seja pelo seu brilhantismo, seja por suas falhas.
*Título assistido em sessão regular de cinema
Foto: Divulgação/Paris Filmes
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