A dança entre desejo, criação e legado
Maurice Ravel compôs uma das obras mais conhecidas da história da música – o Bolero – e, ironicamente, jamais se reconheceu no fascínio que o mundo desenvolveu por ela. Essa tensão entre criação e criador é o cerne de “Bolero – A Melodia Eterna”, filme de Anne Fontaine que pinta um retrato sensível, contraditório e por vezes melancólico do compositor francês.
Interpretado com nuance por Raphaël Personnaz, o Ravel do filme é um homem inquieto, dividido entre o desejo de reconhecimento e a recusa em ceder completamente àquilo que pulsa dentro de si. Seu processo criativo é retratado quase como um parto: lento, doloroso, imprevisível. E se a gestação de Bolero parece ser o foco do filme, ela é, na verdade, apenas o meio pelo qual conhecemos esse personagem cheio de lacunas e silêncios.
Fontaine opta por não explicar Ravel, mas insinuá-lo – seus olhares, suas hesitações, suas obsessões. O relacionamento contido com Misia, vivida por Dora Tillier, reforça a sensação de um homem que ama com intensidade, mas teme a vulnerabilidade que isso exige. A Paris dos anos 1920, recriada com charme e vitalidade, funciona como pano de fundo para esse paradoxo: em meio à liberdade artística e sexual da época, Ravel é o homem que freia os próprios impulsos.
A presença de Jeanne Balibar como Ida Rubenstein, musa e provocadora do Bolero, é outro ponto alto. É a partir dela que Ravel é desafiado a sair de si, a buscar uma nova forma de compor. O Bolero, com sua repetição hipnótica e sensualidade progressiva, surge como uma antítese ao seu próprio criador – uma obra que parece pulsar libido, enquanto o compositor tenta manter a compostura.
O filme tem consciência dessa ironia e a utiliza a seu favor, construindo um retrato íntimo e humano do gênio musical. A recusa de Ravel em aceitar o caráter erótico da própria obra é tratada com delicadeza, sugerindo mais do que afirmando, o que só fortalece o caráter subjetivo da narrativa.
“Bolero – A Melodia Eterna” é menos uma cinebiografia convencional e mais um estudo de personagem sobre um homem em luta com sua arte, seus sentimentos e sua imagem. Anne Fontaine dirige com elegância e contenção, deixando que os silêncios falem tanto quanto a trilha sonora.
No fim das contas, é sobre um homem que criou algo maior do que ele próprio – e passou o resto da vida tentando entender o porquê.
*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela Mares Filmes.
Divulgação/ Mares Filmes
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