Um faroeste sujo, regional e necessário sobre o absurdo nacional
Com direção de Fábio Flecha e orçamento modesto, Do Sul, a Vingança emerge como um dos filmes brasileiros mais ousados e singulares dos últimos anos. Enraizado na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Bolívia, o longa mistura comédia grotesca, ação violenta e crítica social, resultando em uma obra provocativa que dialoga com Tarantino, Glauber Rocha e o realismo mágico latino-americano — mas sem perder seu sotaque sul-mato-grossense.
O protagonista Lauriano (Felipe Lourenço), um escritor deslocado em busca de inspiração, é o fio condutor para que o espectador percorra um Brasil à margem — físico, institucional e simbólico. Sua busca por “Jacaré” (o brilhante Espedito Di Montebranco) logo se transforma em uma espiral de absurdos: milicianos místicos, jagunços filósofos, políticos farsescos. Tudo isso embalado por uma atmosfera de decadência e humor corrosivo.
Mas não se engane: o riso vem sempre com um gosto amargo. A caricatura é o caminho para a crítica. E é nesse desequilíbrio entre sátira e brutalidade que o filme encontra sua força.
Apesar das limitações técnicas — perceptíveis especialmente na mixagem de som e em sequências de ação com cortes secos — o filme entrega um refinamento visual impressionante. A fotografia evita o “postalismo” e investe em composições que evidenciam o abandono físico e institucional daquela terra de ninguém. A luz natural do fim de tarde, em especial, dá ao filme uma textura sensorial que casa com seu discurso.
O roteiro, por sua vez, é afiado, irônico e recheado de diálogos saborosos. Há uma cadência própria, quase teatral, que pode estranhar alguns, mas que reforça a proposta autoral da obra.
Lauriano é o observador passivo que representa o olhar urbano sobre o “interior selvagem”. Já Jacaré, interpretado com carisma feroz por Di Montebranco, mistura brutalidade e sabedoria, beirando o mítico sem perder a humanidade. Outro destaque é Luciana Kreutzer como Dra. Lucia, uma figura feminina que subverte o papel de coadjuvante decorativa e impõe presença sem recorrer ao estereótipo da “durona”.
Finalista do World Film Festival em Cannes e vencedor de Melhor Longa Indie no Los Angeles Film Awards, Do Sul, a Vingança vai além da caricatura regional: é uma denúncia disfarçada de comédia, um retrato do Brasil profundo onde a institucionalidade é piada de mau gosto e a sobrevivência é arte diária.
Mais do que um filme de ação com tintas cômicas, Do Sul, a Vingança é um ato de resistência cinematográfica. Um retrato de um país real — não aquele das novelas ou das capitais — onde o grotesco e o trágico caminham juntos. É cinema sujo, autoral, e extremamente necessário.
“É Mato Grosso do Sul, porra!” — não como bordão, mas como afirmação política e estética.
*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela Kolbe Arte/Render Brasil.
Foto: Divulgação/Kolbe Arte/Render Brasil
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