Reprodução: Beijo na Boca Maldita
A travesti que se tornou lenda pelo Centro de Curitiba
Gilda de Abreu, como se identificava, foi um dos personagens mais marcantes e enigmáticos da história de Curitiba. Conhecida por beijar pessoas pelo centro da cidade, Gilda foi uma travesti e moradora de rua, que viveu na cidade nos anos 70.
Não se conhece muito da história de vida de Gilda, sabe-se que seu nome de registro era Rubens Aparecido Rinke, que andava com a barba por fazer e saia rodada, além de cobrar por beijos de vários homens que passavam pelo centro. Uma das versões mais conhecidas de sua origem seria a que ela abandonou o circo e ficou por Curitiba, depois de sofrer uma grande desilusão amorosa.
Gilda era conhecida pelas suas brincadeiras irreverentes e alegria constante. Todos que chegaram a conhece-la, afirmavam que ela era de uma alegria contagiante.
“Eu cheguei a vê-la apenas de vista, mas todo mundo sabia quem era ela. Muitos atravessavam a rua para fugir dos beijos dela”, afirmou Sebastião Lima, que na época que Gilda chegou na cidade, no ano de 1975, ele tinha 22 anos. “Na época era conhecido que Gilda não aturava desrespeito não. Ela batia em homem. Muitos até tinham medo dela”.
Ela sempre dizia que era “cinco trocados ou um beijo”, e foi dessa forma que ela se mantinha. Dizia-se que, quem não pagasse os cinco trocados, ela tascava um beijo na boca.
Gilda amava o carnaval, era uma frequentadora fiel do bloco carnavalesco “Embaixadores da Alegria” e adorava festar nessa época do ano. Ela chegou a sofrer agressões físicas durante o carnaval, pelo presidente da Boca Maldita na época, Anfrísio Siqueira. O que a impediu de subir em um dos carros alegóricos.
Gilda fez história, revolta, vários amigos e inimigos, ganhou a fama de ser “a primeira gay curitibana”, incomodou, transgrediu, expandiu e espalhou beijos e risos pelo centro de Curitiba.
“Talvez ele fosse homossexual, mas a Gilda foi a primeira que quebrou aquela sisudez do povo curitibano”, disse José Cadilhe de Oliveira, advogado defensor da Gilda, para entrevista do documentário Beijo da Boca Maldita.
A professora de sociologia e antropologia da Universidade Positivo, Eliane Basilio de Oliveira, afirma que Gilda foge do estereótipo do curitibano tradicional e representa a busca pela liberdade.
“Eu acho que a Gilda era uma pessoa que vivia a liberdade”, afirmou o compositor Carlos Eduardo Mattar.
Gilda foi encontrada morta em 15 de março de 1983, em um dos muitos casarões abandonados do centro de Curitiba, na Rua Desembargador Motta, devido à meningite.
Curitiba parou para homenagear a travesti que fez história por mais de uma década na Rua XV. Gilda foi enterrada em um caixão lacrado, por conta da meningite, e foi conduzida por um mutirão até o cemitério do Bom Retiro, onde seu corpo foi velado.
No ano seguinte a sua morte, os “Embaixadores da Alegria” pularam o carnaval com a composição de um samba-enredo, intitulado de “Gilda sem nome”, em sua homenagem.
Gilda também virou uma peça de teatro, teve documentários feitos sobre você e um pequeno livro imagens criado por amigos com o apoio da Fundação Cultural de Abertura.
Gilda viva
Curitiba morta
Gilda é um pecado atrás da porta
Gilda mal falada
Gilda bendita
Ainda te mordem
Os dentes da boca maldita
(Trecho do poema “Gilda: um beijo na boca maldita”, de Antonio Thadeu Wojciechowski, 2007)