Para os não-iniciados, Boris Johnson é o polêmico primeiro-ministro de ninguém menos que o Reino Unido e que na última terça-feira renunciou ao maior cargo político do país.

Para os mais informados, é claro que ele é a figura mais controversa do parlamento inglês e que coleciona, há um bom tempo, um elenco estelar de presepadas.

Espalhafatoso e com um cabelo cuidadosamente bagunçado, Boris Johnson compõe a mesma elite que seus antecessores: Theresa May e David Cameron, de quem aliás é bastante íntimo.

Com uma trajetória marcada por inúmeros episódios polêmicos, sua autoridade como primeiro-ministro já vem sendo objeto de desgaste há meses.

O mais grave de todos eles acontece com a eclosão do Pinchergate, o grande escândalo de assédio sexual envolvendo Chris Pincher, vice-chefe da bancada do governo no Parlamento.

Se tivesse sido só isso, talvez a posição de Boris Johnson permanecesse incólume mas, não foi.

Veja os motivos que levaram ao desgaste da imagem de Boris Johnson no próprio partido conservador, do qual era líder mas também com a opinião pública de todo o Reino Unido.

Leia mais: No jornalismo, na CBF, na Caixa Econômica: a receita do assédio sexual ‘a brasileira’

Um voto desconfiança do Parlamento para Boris Johnson

Boris Johnson estimula o desgaste de sua imagem desde a pandemia.

As festinhas de Downing Street, regadas a muita álcool e a muita gente – em um período de números alarmantes de COVID-19 – são a prova viva disso.

O escândalo de Partygate, como ficaram conhecidas as festinhas dadas por Johnson, foi o que levou ao voto de desconfiança sofrido pelo premiê britânico por parte do parlamento.

Na pandemia, aliás, Boris Johnson foi um desastre desde o começo, com direito a graça de sua parte, a propósito. Além do mais, foi acusado de determinar as restrições de forma tardia.

Não satisfeito, promoveu festas com a militância conservadora e assessores do governo durante o isolamento social da pandemia.

Enquanto todos cumpriam as restrições…

O premiê-britânico recebia pessoas no quintal da residência oficial.

Teriam sido 16 eventos, aliás.

Todos foram apurados pela polícia como infrações, mas Boris não cometeu nenhum crime ainda que tenha sido multado por isso.

Além de ter levado um voto de desconfiança do parlamento, é claro.

Nunca enganou ninguém e sempre foi contra as medidas de isolamento social e paralisação.

De acordo com boatos, chegou a dizer que preferia uma pilha de corpos do que um novo lockdown no Reino Unido. Jhonson negou que tenha dito tal afirmação e mudou a postura quando ele próprio foi vítima do vírus.

Há pouco mais de um mês, o premiê britânico saiu vencedor do voto de desconfiança que foi movido pelo parlamento.

Para você entender a relevância dessa vitória para Johnson, que já estava no olho do furacão, eu preciso te dizer o que é o voto de confiança.

O voto de confiança, em regimes parlamentaristas como o do Reino Unido, é uma ferramenta que fica à disposição do Parlamento e serve para questionar a manutenção do primeiro-ministro no poder.

No caso de Boris Johnson, o parlamento inglês moveu esse voto de desconfiança logo depois de suas festas. 

Mas, não deu outra.

Mesmo alegre com sua vitória e renovado para dias melhores, Boris Johnson queria ter se aposentado dos seus clássicos pedidos de desculpas.

Todavia, com a explosão do Pinchergate, foi impossível para ele se desfazer delas.

A crise do caso Pincher: o prego do caixão de Boris Johnson

Chris Pincher chegou na política na era Thatcher, quando fez frente paredista junto ao sindicato dos mineiros. Na época eles apresentavam violentas reivindicações à primeira-ministra britânica.

Desde que se tornou deputado em 2010, pelo círculo de Tamworth, Pincher ascende cada vez mais ao governo, sempre com a reputação de ser hábil em persuadir os mais hostis a favor da situação.

Até que, em 2019, depois de já ter passado por importantes cargos dentro do governo Johnson, Pincher chega a pasta da Habitação.

Em todos eles, o deputado sofreu denúncias de assédio sexual. Os fios do seu escândalo começam a ser desenrolados, no entanto, com o caso do remador olímpico Alan Tory.

Logo em seguida, tantos outros vieram á tona:

  • 2012: assédio sexual contra um jovem londrino
  • 2013: ameaça a uma funcionária que pediu que ele deixasse um jovem do partido em paz; 
  • 2013: apalpões em um rapaz; 
  • 2017/2018: assédio sexual contra um trabalhador e deputados do partido
  • 2019: tentou despir um ativista 
  • 2019: prometeu a um jovem militante que o promoveria caso ele fosse até seu quarto 

Seu modus operandi é bem semelhante ao da maioria dos assediadores. Uma posição de poder, promessas de ascensão funcional na carreira e intimidações hierárquicas.

Leia mais: Após escândalo de corrupção no Ministério da Educação, Senado pede abertura de CPI

Dois apertos que foram longe demais

Talvez Pincher não tivesse vindo abaixo se durante uma festa no Carlton Club, um clube conhecido por ser bastante frequentado por gente do partido conservador, não tivesse apalpado dois homens sem o consentimento deles.

Isso virou notícia porque Pincher teve que ser retirado do local. Mas, já era tarde.

A imprensa tinha o que precisava para trazer à tona todas as suas condutas inapropriadas e que ele praticava há pelo menos uma década. 

A própria denúncia formalizada em 2019, era uma delas, a propósito. 

Já no dia 4 de julho, inclusive, cerca de 5 dias depois da polêmica festa no Carlton Club, a imprensa publicou mais 6 denúncias contra Pincher.

Antes disso, ele já havia pedido demissão para Boris Johnson em uma carta chorosa, onde pedia desculpas e anunciava sua renúncia do cargo atual.

Mea culpa de Boris Johnson não o salvou de sua queda

Por sua vez, Boris Johnson tentou acobertar e disse que as notícias não passavam de meras especulações. Mas voltou atrás quando viu a primeira debandada de ministros do seu governo.

E também quando se descobriu que ele já sabia das condutas inadequadas do seu pupilo e mesmo assim, o nomeou para um cargo que exigia a gestão de pessoas.

Inclusive fez piada com o assunto: Pincher significa ‘Pinça’, em um português literal, e Boris Johnson deu a entender que o deputado era um ‘Pincher’ no nome e na vida, ao se referir ao seu hábito de ‘beliscar’ pessoas.

Isso, quando o assunto sobre as condutas inapropriadas do deputado surgiram na mesa de seu gabinete.

Do parlamento, uma resposta agressiva

O motim do parlamento levou a cerca de 50 pedidos de demissão em menos de três dias. Algo extremamente surreal já que se trata de um governo com tradições sólidas de Estado de Direito.

Todas as justificativas giraram em torno da má associação de imagem que Boris Johnson causa para todo o parlamento.

Com um discurso inflamado de “já vai tarde”, a principal força de oposição do Partido Conservador, o Partido dos Trabalhadores, disse estar feliz com a saída de Johnson mas frisou que isso deveria ter acontecido há muito tempo:

“Ele sempre esteve inapto para o cargo. Foi responsável por mentiras, escândalos e fraudes a uma escala industrial. E todos que foram cúmplices devem estar completamente envergonhados”.

Disse o líder da oposição, Keir Satarmer.

A escala industrial de fraudes e mentiras a que faz menção Keir são outros escândalos que tiveram como centro, a figura falastrona do premiê britânico, Bóris Johnson.

Desvios a outras gafes: uma trajetória bizarra no comando do país

Boris Johnson já foi alvo de escândalos de corrupção, também.

Primeiro com um lobby feito a partir do deputado Owen Paterson. A história é antiga: empresas bonificam o parlamentar que passa a militar em seu favor nas aquisições do governo.

Ainda nesta mesma crise, Johnson tentou adaptar as regras do parlamento para evitar que Peterson fosse suspenso, o que desgastou ainda mais a sua imagem.

Doações obscuras

Imagem que, aliás, foi ainda mais desgastada com os escândalos das doações não declaradas de um partidário do Partido Conservador, que inclusive foi multado por isso.

De acordo com a imprensa, o primeiro-ministro utilizou a verba da doação para custear uma reforma de luxo na residência oficial do governo.

Alegação semelhante aconteceu com uma viagem para o caribe que fez com a esposa. 

As fontes de custeio das férias luxuosas são obscuras e de acordo com o apurado, pode ter origem nos recursos do partidos.

Gafes e frases fora de hora

Fato é que o premiê britânico tem fama de falar demais: já chamou homossexuais de vagabundos e já comparou muçulmanas com caixas de correios.

Além de ter supostamente mentido sobre os repasses que eram feitos à União Europeia, de quem era um crítico feroz.

No meio disso tudo, existem dois momentos bastantes cômicos do primeiro-ministro que com certeza servem de alívio para esse caos político:

Em 2012, quando era prefeito de Londres e recebeu as Olimpíadas na cidade, Boris Johnson estava em um parque quando foi informado que o país havia feito a sua primeira medalha.

Para comemorar, decidiu entrar no evento de tirolesa. No entanto, o brinquedo falhou e o prefeito de Londres ficou pelo menos dez minutos preso nas alturas:

Boris Johnson preso na Tirolesa. Fonte: Google Imagens, 2012.

Em outra ocasião, no ano de 2015, Boris Johnson visitou o Japão para amenidades políticas e teve que jogar rugby com crianças.

Numa dessas jogadas, o premiê esqueceu do seu tamanho e da idade dos adversários, e trombou propositalmente com um menino de 10 anos, o deixando alguns minutos no chão:

Fonte: Issei Kato para a Reuters.

A sua postura foi considerada deselegante para a comunidade internacional ainda que na época estivesse sendo aplaudido pela brilhante organização dos jogos olímpicos, com um orçamento abaixo do previsto.

E agora, o que vem pela frente depois da queda de Boris Johnson?

O curioso é que Boris Johnson reproduz comportamento semelhante ao de seus antecessores, e amigos. 

Theresa May renunciou ao cargo em 2019 ao fracassar na condução do Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia. 

Saída, aliás, que se consolidou na gestão de David Cameron que também abdicou do cargo, depois do plebiscito que ele próprio convocou para eleger a efetiva retirada do Reino Unido da União Europeia.

Jhonson oficializou a sua renúncia no dia 07 de julho mas é provável que permaneça no cargo até outubro, pelo menos.

Dessa forma, seu substituto vai sair do próprio Partido Conservador, que ainda mantém a maioria no parlamento.

Ainda mais que no parlamentarismo, os votos não acontecem de forma direta, como conhecemos no Brasil.

Nestes regimes, a propósito, o voto é para deputado, e o partido que fica com maioria no parlamento elege seu líder, que vai se tornar o primeiro-ministro. Do mesmo modo, o partido conservador vai promover uma eleição interna. 

Assim, quem sair vencedor desta disputa, além de tomar a posição de novo líder do Partido Conservador, também assume o cargo de primeiro-ministro.

Neste sentido, o próximo passo da solenidade é receber a benção da Rainha, a atual chefe de estado.

Corrida para o cargo já está a todo vapor

Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores, que é a atual oposição, pede eleições antecipadas, o que é pouco provável de acontecer.

Além do mais, estão de mãos atadas já que com a vitória no último voto de desconfiança, Boris Johnson tem uma imunidade de pelo menos um ano. Portanto, não pode levar mais nenhum durante esse período.

Por outro lado, alguns pedem que Dominic Raab, o vice-premiê assuma por completo a chefia interina de modo que Boris Johnson se afaste totalmente do cargo, o que ainda não aconteceu.

Aliás, no dia seguinte ao anúncio de Jhonson, em 08 de Julho, já haviam pelo menos três candidatos à sucessão do atual premiê-britânico.

A propósito, dentre os nomes que estão na corrida temos: Kemi Badenoch, da pasta de igualdade; Suella Braverman, da procuradoria-geral e Rishi Sunak, da pasta de finanças. 

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